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segunda-feira, 27 de maio de 2013

"O Amor, Meu Amor" - Mia Couto


Nosso amor é impuro

como impura é a luz e a água

e tudo quanto nasce

e vive além do tempo.

 
Minhas pernas são água,

as tuas são luz

e dão a volta ao universo

quando se enlaçam

até se tornarem deserto e escuro.

E eu sofro de te abraçar

depois de te abraçar para não sofrer.

 
E toco-te

para deixares de ter corpo

e o meu corpo nasce

quando se extingue no teu.

 
E respiro em ti

para me sufocar

e espreito em tua claridade

para me cegar,

meu Sol vertido em Lua,

minha noite alvorecida.

 
Tu me bebes

e eu me converto na tua sede.

Meus lábios mordem,

meus dentes beijam,

minha pele te veste

e ficas ainda mais despida.

 
Pudesse eu ser tu

E em tua saudade ser a minha própria espera.

 
Mas eu deito-me em teu leito

Quando apenas queria dormir em ti.

 
E sonho-te

Quando ansiava ser um sonho teu.

 
E levito, voo de semente,

para em mim mesmo te plantar

menos que flor: simples perfume,

lembrança de pétala sem chão onde tombar.

 
Teus olhos inundando os meus

e a minha vida, já sem leito,

vai galgando margens

até tudo ser mar.

Esse mar que só há depois do mar.

 

Mia Couto